sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O TIC TAC DOS ANOS (Poemas e Crônica)



I) Mini-conto
O TIC TAC DOS ANOS

Nicanor terminou de arar a terra e andou até a sua casa, uma casa de madeira com a pintura branca escancarada. Subiu os três degraus, e levou a mão ao ciático. Caminhou devagar até o quarto e deitou-se na cama. Tinha 74 anos e raramente visitava o médico do Posto de Saúde da cidade.
Estou começando a envelhecer pensou... é, deve ser isso. Olhou o retrato antigo de uma mulher que estava sobre o criado mudo. Em pouco tempo estaremos novamente juntos, Rosana, murmurou.

Isabel Furini



II) Poema
O TIC TAC DOS ANOS

Com a colher de pau
colheu
uma brasa incandescente. O fogo marcou a colher,
mas o velho conseguiu
acender o velho cachimbo.
Minutos depois, adormeceu sentado
na cadeira de vime,
com o corpo encurvado
sobre  a mesa de madeira,
escutando o tic tac do relógio
que ganhara no aniversário.

Isabel Furini




III)  Conto
O TIC TAC DOS ANOS

Ela sentia vergonha de seu corpo, especialmente quando se encontrava no elevador com a loira do último andar. Essa loira de cinturinha espremida num cinto caríssimo e blusa apertada destacando os seios.
Sim, Rosália sentia vergonha de seu corpo. Nos últimos dois anos havia crescido, crescido para os lados, logicamente. Aumentaram a sua cintura, abdômen e seios. Ela fugia dos espelhos. Isabel, a sua amiga filósofa, dizia que era o crocodilo do tempo, esse que carrega um relógio. Esse relógio carregado pelo grande sáurio na terra do Peter Pan, onde o tempo não passa.
E o crocodilo do tempo seguia Rosália com seu horrível tic tac. Com sua passagem inexorável, acentuava-se a lei da gravidade. Os seios pareciam chegar ao abdômen e a linda bundinha empinada dos 20 anos agora descia até os joelhos. O tempo é cruel, pensou Rosália. Os gregos, muito sábios, haviam-no imaginado com uma foice. Cronos era o ceifador. Ele acaba com a festa da juventude, com a alegria da pele forte e lisa – era preciso habituar-se a essa imagem que ela não desejava para si mesma ou... mudar. Ela sempre havia criticado as mulheres que apelavam, mas nesse dia pegou o telefone e ligou para sua cunhada Natália: “Olá, querida. Você pode me dar o número de telefone daquele cirurgião plástico que apagou vários anos de teu corpo?”.

Isabel Furini

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